Ostensivo
O segurança irá manchar as paredes do espaço expositivo usando somente o seu corpo, atestando sua presença ali.--
Há um certo desvio na forma como um vigilante deve se portar em serviço. Quando isso ocorre, manchas em paredes podem ser vistas, amarronzadas, competindo com a visibilidade das obras de arte próximas a elas. Este desvio, caracterizado quando um segurança repousa seu corpo em uma parede, disfarçando prontidão, ocasiona ao longo do tempo marcas que facilmente testemunham sua contraconduta dúbia: o descanso em serviço. Ao mesmo tempo que a marca atesta o seu posto de trabalho prioritário, ela marca o escoramento do corpo que busca o mínimo de conforto. Se observarmos com atenção os lugares (centros culturais, museus ou outros equipamentos que fazem uso de segurança patrimonial), as manchas deflagram a rotina da movimentação do corpo no trabalho. Um local com mais manchas é um local prioritário de salvaguarda, necessitando sua presença por mais tempo ou até mesmo um posto fixo, o qual o corpo-seguro não poderá abandonar. É evidenciada uma cartografia cotidiana laboral.
Contudo, há ainda memória de outras manchas corpóreas que habitaram as superfícies de uma galeria: em Mugre, Rosemberg Sandoval carregou uma pessoa em situação de rua em seu ombro, adentrou um espaço expositivo e a esfregou em suas superfícies brancas. Sem a permitir encostar seus pés no solo, Sandoval utilizava-a para comentar sua própria inacessibilidade, sua condição como sem teto, ainda que, desenhando com sua sujeira as paredes e bases daquela exposição, tornava evidente que lúmpens podem servir aos interesses da elite - o que era como se, ao utilizar aquela pessoa, Sandoval apontasse tudo que o possibilitava fazer aquilo também.
Atenta aos espaços vazios quando sem vigilantes a postos, a Amador e Jr. Segurança Patrimonial Ltda. apresenta seu mais novo trabalho para suprir as lacunas deixadas pela ausência de pessoal. Inspirada na forma como Rosemberg Sandoval transmutou a exploração de uma pessoa sem teto em valor no circuito da arte contemporânea, a empresa se dispõe a transformar o problema das manchas de seguranças em mais um diferencial em seus serviços. Por um tempo determinado e por dias determinados, os seguranças irão caminhar junto às paredes do espaço expositivo, tocando-as continuamente com seus corpos de terno. À medida que executam o serviço, será produzida uma mancha de caráter laboral e pictórico. Imprimindo lentamente suas presenças no que devem salvaguardar, os seguranças, mesmo ausentes, testemunhar-se-ão junto ao patrimônio. Portanto, de modo Ostensivo, comprovarão sua presença passageira.